Sobre Adeus



Entrei naquele avião com medo por saber que seria a última vez que eu a veria. Aquela viagem fazia tudo real. Passar pela porta fazia tudo real. Eu a veria.

Não em sua melhor forma. Ela não estaria me esperando tomando chimarrão reclamando do tempo e do vento ou fazendo tricô ao lado de seu velho companheiro. Não me diria que tudo ficaria bem. Ela não está. Ela não é mais.

O avião levanta vôo e relembro todas as nossas brigas em meus anos de rebeldia adolescente. Sua voz firme me dizendo que eu não tinha mais idade para besteiras e era "mulher formada".. mesmo aos 15. E mesmo depois de tanta discussão, ela andava calmamente em minha direção, com as mãos nas costas,  parava na minha frente e me segurava as mãos, dando leves tapinhas, repetindo que eu era boa. Que tudo ia dar certo e iria passar.

Ela tinha fé em mim. Antes mesmo de eu ter. Tinha uma risada safada e falava besteiras que deixariam até você de cabelo em pé. Bravejava que eramos "um bando de gurias cagadas" quando aprontávamos. Tinha dedinhos tortinhos de tanto costurar e tricotar.

Dizia que meus cachos me faziam mais bonita e que sempre sonhava com meu casamento.
Repetia: "seja amiga! Seja boa!", "Não abra a geladeira se você não sabe o que quer"... "A casa é da vó  (e bisavó), aqui pode!"... dos conselhos mais engraçados e verdadeiros aos puxões de orelha em roda de chimarrão e as canções de ninar que continham palavrões doces.. - Se é possível entender. Aqueles armários que cheiravam à canela.. Ela me deu colo nos momentos mais difíceis e me ensinou a manter os pés no chão.

Eu só tenho como agradecer.


Ela viu minha filha nascer, crescer e ir embora. 

Ela me viu nascer, crescer, morrer e renascer.

Ela se foi enquanto visitava sua terrinha. Sua Querência Amada, como diria Teixerinha. Ela se foi em casa. 

Agora eu fujo pra casa dela pra vê-la uma última vez. 

Avisto aquela Porto Alegre. Hora de pousar. 

Penso nas 6 horas de estrada pela frente e no sono que chega mas não fica. 


No caminho ficam as histórias contadas pelo meu pai em meio a risos e lágrimas silenciosas.  Dou a mão à minha irmã e juntas temos um pouco mais de força pra chegar lá. 

Só que agora eu seco minhas próprias lágrimas.





Comentários

  1. A primeira vez que vejo o teu blog...bateu muitas saudades da minha avo...
    Quero deixar meus sentimentos, que descanse em paz!

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  2. Irmã, deu um mim de saudades da Vó e da minha Mãe! =, (
    Saudades e lembranças Boas pra toda a vida!
    Te amo muito!

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  3. A mim também, deu colo e aconchego. Deu conselhos sábios. Me ensinou o a cumplicidade do chimarrão. Me ensinou a dignidade de envelhecer. Me convidou a refletir sobre muitas coisas. Beijos, querida! Vejo que além de linda, você escreve muito bem!

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